terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Fábula dos Porcos Assados

Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens,
acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que
queriam comer porco assado, incendiavam um bosque... até que descobriram um novo método.

Mas o que vamos contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para implantar um novo.
 Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus.

O processo preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes -
milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se ocupavam com a tarefa de assá-los.

Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, quando mais crescia a escala do processo,
tanto mais parecia falhar e tanto maiores eram as perdas causadas.

Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar
profundamente o SISTEMA. Congressos, seminários, conferências passaram a ser realizados anualmente para buscar
uma solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte repetiam-se os
congressos, seminários, conferências.

As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não
permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores,
excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar,
o momento e a quantidade das chuvas...

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar. Na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora
montada uma grande estrutura: maquinário diversificado; indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo -
incendiadores que eram também especializados (incendiadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc., incendiadores
noturnos e diurnos - com especialização e matutino e vespertino - incendiador de verão, de inverno, etc.). Havia
especialista também em ventos - os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um
Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento, uma
Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias
(ISCUTA) e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas.

Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais
recentes técnicas de implantação - utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais que
três horas seguidas.

Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas
estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes
instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento
oportuno.

Foram formados professores especializados na construção dessas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as
universidades para que os professores especializados na construção das instalações para porcos; fundações apoiavam
os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção
das instalações para porcos, etc.

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo depois de atingida
determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus,
posicionar ventiladores-gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo, etc. Não é preciso dizer
que os poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um embasava suas idéias em dados e pesquisas
específicos.

Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste
diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso), chamado João Bom-Senso, resolveu dizer que o problema era
muito fácil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o
animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas -
assasse a carne.
 Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o Diretor Geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e
depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:

Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os
anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores
de diversas especialidades?

Não sei - disse João!

E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas
máquinas purificadores automáticas de ar?

Não sei!

E os anemotécnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país?
Vou mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de
Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Heim?

Não sei - repetiu João encabulado!

O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê, que, se
tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo atrás? O senhor com
certeza compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a
utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros de bosques já
preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me.

Não sei, não senhor!

Diga-me, nossos três engenheiros em Porcopirotecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas do
mais extraordinário valor?

Sim, parece que sim!

Pois então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que nosso sistema é muito
bom. O que eu faria com indivíduos tão importantes para o país?

Não sei!

Viu? O senhor tem que trazer soluções para certos problemas específicos - por exemplo, como melhorar as
anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carência),
como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o sistema, e não transformá-lo
radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!
Realmente, eu estou perplexo! - respondeu João.
Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O
problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista
nessa sua idéia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor entende. Eu falo
isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe
que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?

João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "a". Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua
sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até
hoje se diz que falta o Bom-Senso.

Nesta fábula o autor satiriza com sutileza um dos maiores problemas existentes nos dias de hoje nas organizações: a
burocracia e o conflito de interesses de pessoas ou grupos de pessoas, como fortes obstáculos para encontrar soluções
que permitam a elas aumentar a eficácia na execução de suas missões.


REFERÊNCIA
YAMAUTI, Nilson Nobuaki. É possível transformar o modelo burocrático de gestão da Universidade?: A Fábula dos
porcos assados. Revista Espaço Acadêmico, nº 42, nov/2004 ano IV ISSN 1519.6186 disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/042/42cyamauti.htm

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Porque os jovens profissionais da geração Y estão infelizes


Esta é a Ana.
Ana é parte da Geração Y, a geração de jovens nascidos entre o fim da década de 1970 e a metade da década de 1990. Ela também faz parte da cultura Yuppie, que representa uma grande parte da geração Y.
“Yuppie” é uma derivação da sigla “YUP”, expressão inglesa que significa “Young Urban Professional”, ou seja, Jovem Profissional Urbano. É usado para referir-se a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta. Os yuppies em geral possuem formação universitária, trabalham em suas profissões de formação e seguem as últimas tendências da moda. - Wikipedia
Eu dou um nome para yuppies da geração Y — costumo chamá-los de “Yuppies Especiais e Protagonistas da Geração Y”, ou “GYPSY” (Gen Y Protagonists & Special Yuppies). Um GYPSY é um tipo especial de yuppie, um tipo que se acha o personagem principal de uma história muito importante.
Então Ana está lá, curtindo sua vida de GYPSY, e ela gosta muito de ser a Ana. Só tem uma pequena coisinha atrapalhando:
Ana está meio infeliz.
Para entender a fundo o porquê de tal infelicidade, antes precisamos definir o que faz uma pessoa feliz, ou infeliz. É uma formula simples:
É muito simples — quando a realidade da vida de alguém está melhor do que essa pessoa estava esperando, ela está feliz. Quando a realidade acaba sendo pior do que as expectativas, essa pessoa está infeliz.
Para contextualizar melhor, vamos falar um pouco dos pais da Ana:
Os pais da Ana nasceram na década de 1950 — eles são “Baby Boomers“. Foram criados pelos avós da Ana, nascidos entre 1901 e 1924, e definitivamente não são GYPSYs.
Na época dos avós da Ana, eles eram obcecados com estabilidade econômica e criaram os pais dela para construir carreiras seguras e estáveis. Eles queriam que a grama dos pais dela crescesse mais verde e bonita do que eles as deles próprios. Algo assim:
Eles foram ensinados que nada podia os impedir de conseguir um gramado verde e exuberante em suas carreiras, mas que eles teriam que dedicar anos de trabalho duro para fazer isso acontecer.
Depois da fase de hippies insofríveis, os pais da Ana embarcaram em suas carreiras. Então nos anos 1970, 1980 e 1990, o mundo entrou numa era sem precedentes de prosperidade econômica. Os pais da Ana se saíram melhores do que esperavam. isso os deixou satisfeitos e otimistas.
Tendo uma vida mais suave e positiva do que seus próprios pais, os pais da Ana a criaram com um senso de otimismo e possibilidades infinitas. E eles não estavam sozinhos. Baby Boomers em todo o país e no mundo inteiro ensinaram seus filhos da geração Y que eles poderiam ser o que quisessem ser, induzindo assim a uma identidade de protagonista especial lá em seus sub-conscientes.
Isso deixou os GYPSYs se sentindo tremendamente esperançosos em relação à suas carreiras, ao ponto de aquele gramado verde de estabilidade e prosperidade, tão sonhado por seus pais, não ser mais suficiente. O gramado digno de um GYPSY também devia ter flores.
Isso nos leva ao primeiro fato sobre GYPSYs:
GYPSYs são ferozmente ambiciosos
President1
O GYPSY precisa de muito mais de sua carreira do que somente um gramado verde de prosperidade e estabilidade. O fato é, só um gramado verde não é lá tão único e extraordinário para um GYPSY. Enquanto seus pais queriam viver o sonho da prosperidade, os GYPSYs agora querem viver seu próprio sonho.
Cal Newport aponta que “seguir seu sonho” é uma frase que só apareceu nos últimos 20 anos, de acordo com o Ngram Viewer, uma ferramenta do Google que mostra quanto uma determinada frase aparece em textos impressos num certo período de tempo. Essa mesma ferramenta mostra que a frase “carreira estável” saiu de moda, e  também que a frase “realização profissional” está muito popular.
Para resumir, GYPSYs também querem prosperidade econômica assim como seus pais – eles só querem também se sentir realizados em suas carreiras, uma coisa que seus pais não pensavam muito.
Mas outra coisa está acontecendo. Enquanto os objetivos de carreira da geração Y se tornaram muito mais específicos e ambiciosos, uma segunda ideia foi ensinada à Ana durante toda sua infância:
Este é provavelmente uma boa hora para falar do nosso segundo fato sobre os GYPSYs:
GYPSYs vivem uma ilusão
Na cabeça de Ana passa o seguinte pensamento: “mas é claro… todo mundo vai ter uma boa carreira, mas como eu sou prodigiosamente magnífica, de um jeito fora do comum, minha vida profissional vai se destacar na multidão”. Então se uma geração inteira tem como objetivo um gramado verde e com flores, cada indivíduo GYPSY acaba pensando que está predestinado a ter algo ainda melhor:
Um unicórnio reluzente pairando sobre um gramado florido.
Mas por que isso é uma ilusão? Por que isso é o que cada GYPSY pensa, o que põe em xeque a definição de especial:
es-pe-ci-al | adjetivo
melhor, maior, ou de algum modo
diferente do que é comum
De acordo com esta definição, a maioria das pessoas não são especiais, ou então “especial” não significaria nada.
Mesmo depois disso, os GYPSYs lendo isto estão pensando, “bom argumento… mas eu realmente sou um desses poucos especiais” – e aí está o problema.
Uma outra ilusão é montada pelos GYPSYs quando eles adentram o mercado de trabalho. Enquanto os pais da Ana acreditavam que muitos anos de trabalho duro eventualmente os renderiam uma grande carreira, Ana acredita que uma grande carreira é um destino óbvio e natural para alguém tão excepcional como ela, e para ela é só questão de tempo e escolher qual caminho seguir. Suas expectativas pré-trabalho são mais ou menos assim:
Infelizmente, o mundo não é um lugar tão fácil assim, e curiosamente carreiras tendem a ser muito difíceis. Grandes carreiras consomem anos de sangue, suor e lágrimas para se construir – mesmo aquelas sem flores e unicórnios – e mesmo as pessoas mais bem sucedidas raramente vão estar fazendo algo grande e importante nos seus vinte e poucos anos.
Mas os GYPSYs não vão apenas aceitar isso tão facilmente.
Paul Harvey, um professor da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, e expert em GYPSYs, fez uma pesquisa onde conclui que a geração Y tem “expectativas fora da realidade e uma grande resistência em aceitar críticas negativas” e “uma visão inflada sobre si mesmo”. Ele diz que “uma grande fonte de frustrações de pessoas com forte senso de grandeza são as expectativas não alcançadas. Elas geralmente se sentem merecedoras de respeito e recompensa que não estão de acordo com seus níveis de habilidade e esforço, e talvez não obtenham o nível de respeito e recompensa que estão esperando”.
Para aqueles contratando membros da geração Y, Harvey sugere fazer a seguinte pergunta durante uma entrevista de emprego: “Você geralmente se sente superior aos seus colegas de trabalho/faculdade, e se sim, por quê?”. Ele diz que “se o candidato responde sim para a primeira parte mas se enrola com o porquê, talvez haja um senso inflado de grandeza. Isso é por que a percepção da grandeza é geralmente baseada num senso infundado de superioridade e merecimento. Eles são levados a acreditar, talvez por causa dos constantes e ávidos exercícios de construção de auto-estima durante a infância, que eles são de alguma maneira especiais, mas na maioria das vezes faltam justificativas reais para essa convicção”.
E como o mundo real considera o merecimento um fator importante, depois de alguns anos de formada, Ana se econtra aqui:
A extrema ambição de Ana, combinada com a arrogância, fruto da ilusão sobre quem ela realmente é, faz ela ter expectativas extremamente altas, mesmo sobre os primeiros anos após a saída da faculdade. Mas a realidade não condiz com suas expectativas, deixando o resultado da equação “realidade – expectativas = felicidade” no negativo.
E a coisa só piora. Além disso tudo, os GYPSYs tem um outro problema, que se aplica a toda sua geração:
GYPSYs estão sendo atormentados
Obviamente, alguns colegas de classe dos pais da Ana, da época do ensino médio ou da faculdade, acabaram sendo mais bem-sucedidos do que eles. E embora eles tenham ouvido falar algo sobre seus colegas de tempos em tempos, através de esporádicas conversas, na maior parte do tempo eles não sabiam realmente o que estava se passando na carreira das outras pessoas.
A Ana, por outro lado, se vê constantemente atormentada por um fenômeno moderno: Compartilhamento de Fotos no Facebook.
As redes sociais criam um mundo para a Ana onde: A) tudo o que as outras pessoas estão fazendo é público e visível à todos, B) a maioria das pessoas expõe uma versão maquiada e melhorada de si mesmos e de suas realidades, e C) as pessoas que expôe mais suas carreiras (ou relacionamentos) são as pessoas que estão indo melhor, enquanto as pessoas que estão tendo dificuldades tendem a não expor sua situação. Isso faz Ana achar, erroneamente, que todas as outras pessoas estão indo super bem em suas vidas, só piorando seu tormento.
Então é por isso que Ana está infeliz, ou pelo menos, se sentindo um pouco frustrada e insatisfeita. Na verdade, seu início de carreira provavelmente está indo muito bem, mas mesmo assim, ela se sente desapontada.
Aqui vão meus conselhos para Ana:
1) Continue ferozmente ambiciosa. O mundo atual está borbulhando de oportunidades para pessoas ambiciosas conseguirem sucesso e realização profissional. O caminho específico ainda pode estar incerto, mas ele vai se acertar com o tempo, apenas entre de cabeça em algo que você goste.
2) Pare de pensar que você é especial. O fato é que, neste momento, você não é especial. Você é outro jovem profissional inexperiente que não tem muito para oferecer ainda. Você pode se tornar especial trabalhando duro por bastante tempo.
3) Ignore todas as outras pessoas. Essa impressão de que o gramado do vizinho sempre é mais verde não é de hoje, mas no mundo da auto-afirmação via redes sociais em que vivemos, o gramado do vizinho parece um campo florido maravilhoso. A verdade é que todas as outras pessoas estão igualmente indecisas, duvidando de si mesmas, e frustradas, assim como você, e se você apenas se dedicar às suas coisas, você nunca terá razão pra invejar os outros.